sexta-feira, 26 de novembro de 2010

MICHEL DE MONTAIGNE

Michel de Montaigne nasceu na França em 1533. Era neto do primeiro Senhor de Montaigne e recebeu uma educação primorosa, todas as manhãs, era acordado pelo som da espineta, para que seus ouvidos se tornassem refinados. Até os seis anos de idade, em sua casa, seus familiares e serviçais só falavam latim, para que fosse facilitado o seu aprendizado da linguagem culta da época.
Montaigne começou a sua educação com o seu pai, que tinha um espírito por um lado vigilante e metódico, mas por outro aberto às novidades. Após estes estudos, se formou em Direito, na Universidade de Toulouse e durante alguns anos tentou se engajar no meio jurídico e nos círculos da nobreza, mas não se adaptava à vida de cortesão, cheia formalidades e protocolos. Mesmo assim, exerceu por três vezes o cargo de prefeito de Bordeaux, onde travou uma profunda amizade com La Boétie. Ressaltamos aqui, que La Boétie, foi um humanista e filósofo francês, contemporâneo e grande amigo de Michel de Montaigne, (este que em seu ensaio "Sobre a Amizade" faz uma homenagem a La Boétie).
Cansado dos labores públicos, vendeu seu cargo de magistrado em 1570 e retirou-se para sua propriedade, refugiando-se na biblioteca que ficava no terceiro andar de uma torre arredondada, junto ao castelo da sua família.  Em seu retiro, Montaigne desejava apenas sossego e livros, dedicando-se ao estudo e à reflexão. Levou nove anos para redigir os dois primeiros livros dos Essais. Depois viajou por toda a Europa durante dois anos (1580-1581). Faz o relato desta viagem no livro Journal de Voyage, que só foi publicado pela primeira vez em 1774.
Enfim, regressou ao seu castelo e continuou a corrigir e a escrever os Essais, tendo em vista o estilo parisiense de exposição doutrinária. Os seus Ensaios compreendem três volumes, que vieram a público em três versões: Os dois primeiros em 1580 e 1588. Na edição de 1588, aparece o terceiro volume. Em 1595, quase três anos após sua morte em 1592, publica-se uma edição póstuma destes três livros com novos acrescentos.

O FILÓSOFO
Michel de Montaigne foi um filósofo da Renascença, ainda que ao escrever os seus Ensaios não se julgasse um filósofo.  É um dos precursores da modernidade, sua filosofia marca a ruptura com a forma de pensar medieval, na qual a unidade entre o pensamento e o Ser, entre pensamento e verdade encontrava sua justificava na metafísica. Simplesmente escrevia aquilo que pensava resultante de seus estudos e de suas próprias experiências e das experiências vividas por outros. Seus ensaios não mostravam métodos, mas uma irreverência e um modo de escrever muitas vezes bem humorado, mas que atraiam a atenção de seus leitores e amigos.
A filosofia montaigniana põe em dúvida a possibilidade de o homem acessar a verdade nos termos postulados pelo dogmatismo medieval. A ponte entre o homem e o Ser foi rompida. Não há no homem e nem fora dele nenhum modelo que lhe forneça a medida de seu próprio ser e, por conseguinte, da própria Verdade. A razão humana perde seu papel de centralidade no acesso a verdade do mundo para tornar-se sua intérprete: aquela que dele fala. Donde conclui Montaigne não ter o homem a chave para decifrar o mundo e as coisas.

OS ESSAIS
Montaigne fundou um gênero - o ensaio - guiado pelo senso comum, misturando instinto com experiência, circulando pelos temas mais diversos, sem compromissos com a autoridade, mas sim com a liberdade. Tratava-se do registro das suas experiências, observações e reflexões que ele extraíra da vida. Nada lhe foi estranho; o amor, a luta, a religião, a coragem, a amizade, a política, a educação... Recorrendo largamente aos fatos passados e ao enorme domínio erudito dos clássicos, escrevia pelo gosto da aventura e pela emoção que lhe provocava, tornando o leitor cúmplice das suas emoções. Como ele mesmo, não havia limite para suas inquietações. Se o cosmos era infinito, também o era o da imaginação do escritor.
Os Essais são um auto-retrato. O auto-retrato de um homem, mais do que o auto-retrato do filósofo. Montaigne procura também encontrar em si o que é singular. Mas ao fazer esse estudo de auto-observação acabou por observar também o Homem no seu todo. Montaigne é assim um livre pensador, é um pensador sobre o Humano, sobre as suas diversidades e características. E é um pensador que se dedica aos temas que mais lhe apetecem, vai pensando ao sabor dos seus interesses e caprichos.
Montaigne não se julga versado no estudo da natureza humana, contudo, nos Ensaios é patente o seu interesse pelo comportamento humano nas eventualidades da vida. Talvez para comparar as reações alheias com as suas próprias reações e daí tirar as suas conclusões. Ou, rememorando as experiências que vivenciou o levassem a entender o comportamento dos outros em determinadas situações. Talvez, essa observação também o conduzisse a julgar de acordo com seu próprio crivo as situações adversas que ocorriam em seu país naquela época.
O que Montaigne queria provar é que por diversos meios chega-se ao mesmo fim. Portanto, as circunstâncias podem levar aos resultados mais diversos, desde que se saiba aproveitar as oportunidades que surgem, podemos perceber aqui certo relativismo da parte de Montaigne. E colocando em pauta a sua expressão pode-se perceber facilmente que a maioria das vezes que ele escreve sobre determinado assunto, deixa um fio condutor que pretende levar o seu leitor a algum outro extremo, deixando transparecer que ele quis dizer algo mais do que se propôs, e que, de certo modo, ele quer chegar a uma outra explicação daquilo que ele sugeriu.
Montaigne mostra em sua obra certa divisão do homem particular e do homem público, talvez por ter sido um homem envolvido algum tempo com a política como profissão, acreditava que um homem deveria ser obediente ao seu rei às leis de seu país e buscar uma conduta honesta. Quanto à religião, embora filho de mãe judia, e tendo vivido na época da Reforma protestante, optou pela permanência na tradição, ou seja, a religião católica, o que não lhe impediu de algumas vezes criticar alguns exageros praticados pela igreja e seus fiéis.
Nos Ensaios é comum perceber o seu gosto por outros escritores como Cícero, Ovídio e principalmente Sêneca.  Além de fazer inúmeras menções de experiências que vivenciou, que leu, que observou e que ouviu de outros, ele não deixou muito evidente qual a sua linha de pensamento, pois com a destreza com que escrevia ficava claro o seu grande interesse por leituras variadas que lhe acumulasse certos saberes filosóficos, religiosos, e assuntos gerais, da necessidade do momento.
Quem pesquisa os seus Ensaios tem a impressão que ele tenha vivido várias linhas filosóficas em diversas etapas de sua vida e saboreado um pouco de cada, como que procurando não um pensamento que pudesse seguir unicamente, mas para elaborar a sua própria linha de pensamento, livre de amarras, é como buscar conhecer muitos caminhos a fim de encontrar inspiração para fazer a sua própria estrada.

Montaigne e o Brasil
O pensador foi o primeiro grande nome das letras européias a fazer referência ao Brasil, graças às informações de um homem que estava a seu serviço e que por aqui estivera nos tempos da França Antártica.  Seu capítulo "Dos Canibais" (Ensaios, Livro I, capítulo XXXI). Recomendou aos seus enviados que não tivessem preconceitos quando lidassem com os indígenas, pois considerava os índios como seres criados por Deus em estado puro. Utilizou-se de seus costumes saudáveis, visto que ignoravam as palavras "mentira", "traição" ou "avareza", contrastando-se com a França do seu tempo. Chegou a minimizar-lhes o canibalismo, dizendo que na guerra se portavam de maneira mais digna do que as guerras de religião que infernizavam a vida dos franceses.
Segundo pesquisas, Montaigne é juntamente com Shakespeare, um dos poucos autores do Renascimento que ainda é lido pelo público de hoje, pois os volumes que seus Ensaios, cuja primeira edição é de 1580, continuam  modernos e prazeroso.
No Brasil, a mais recente tradução dos Ensaios (só o Livro I) é da responsabilidade de Rosemary Costhek Abilio, publicada no ano 2000, pela Editora Martins Fontes/SP. A considerada clássica é a tradução de Sérgio Milliet, surgida em 1961, pela Editora Globo de Porto Alegre, em três volumes e republicada mais tarde pela Editora da Universidade de Brasília e também na coleção Os Pensadores, da Editora Abril de São Paulo (a primeira em 1972, num só volume, e a Segunda em 1996, em dois volumes).

Montaigne e A educação
Montaigne não demonstra ter uma idéia sistemática de educação, mas encontramos aspectos que se revestem de significado educativo, os quais se encontram difusos nos Ensaios. As várias experiências neles descritas, através de opiniões sobre os assuntos mais diversos, colocam-nos diante da possibilidade da construção de um pensamento baseado no esforço do próprio indivíduo em elaborar a consciência de si e do mundo. É através do exercício da livre curiosidade, que os indivíduos podem formar opiniões próprias sobre os assuntos em questão, livre de qualquer pretensão que queira fundar a verdade do mundo. Nestas circunstâncias é o Eu empírico que vive e julga, que muda de opinião e que está sujeito à instabilidade e à incerteza. É desta perspectiva da construção do Eu, que Montaigne pensa a educação, enquanto uma prática que deveria modelar a alma da criança tendo como princípio pedagógico o mote: “Que sei eu?”
Entre as atividades humanas a tarefa de educar a criança se revela, aos olhos de
Montaigne, a mais incerta. As tendências presentes na natureza humana são às vezes enganadoras, o que torna difícil emitir sobre elas um juízo seguro. No caso do homem há um agravante, pois desde muito cedo é lançado em hábitos, costumes, leis e preconceitos que produzem máscaras.
Montaigne não guarda boas lembranças do colégio e o descreve como uma verdadeira prisão. Os professores são vistos como pedantes e carrascos. Submetem os alunos a uma disciplina rigorosa e recorrem a práticas cruéis. Por mais exagerado que nos possa parecer esse relato, sabemos que os castigos corporais eram permitidos naquela época, como também o foi até recentemente no Brasil.
Montaigne diz que a educação, na época, valorizava a memorização em detrimento da inteligência, e que ao invés disso, a tarefa do professor deveria ser a de ensinar o caminho à criança, fazendo-a “provar as coisas”, a escolher e discernir por si própria, para que seus sentidos fossem aguçados perante um mundo que lhe chega das mais variadas formas, vindo mais tarde ganhar a forma na linguagem. Para ele, a escola deveria atender as particularidades de cada aluno, de tal modo a possibilitar desenvolver suas capacidades e seus gostos. Como isso não acontecia, as lições tornaram-se insuportáveis e penosas, sendo ensinadas por meio de ameaças e castigos. Exigia-se deles que decorassem e repetissem a lição, dando-lhes apenas uma falsa sensação de tudo saberem.
Concluímos então que Montaigne apresenta um estilo em filosofia em que o exercício do filosofar traduz-se como experiência do pensar, que é incompatível com a certeza, o que está em jogo é a formação do eu, de sua capacidade de julgamento e de sua autonomia perante o mundo. Desta maneira, Montaigne busca substituir a moral medieval baseada na autoridade, pela moral do livre exame. O que ele ensina é o pensar livremente.

Citações de Montaigne
"Nós podemos chegar a ser cultos com conhecimento de outros homens, mas nós não podemos ser sábios com sabedoria de outros homens."

"Eu não recolhi um ramo de flores de outros homens, mas a linha que os liga é meu própria."

O que o teme sofre, sofre já de seu medo

A menos que um homem sente que tem uma memória bastante boa, ele nunca deve arriscar-se encontrar-se --

Eu sei bem do que eu estou fugindo, mas não o que eu estou buscando.

"Eu entendo que os prazeres devem ser evitados se as dores forem a grande conseqüência, mas se as dores forem cobiçadas, elas terminarão em prazeres maiores."


 É uma presunção perigosa e fútil, além de uma absurda temeridade, ter desprezo pelo que nós não compreendemos”.

"Que eu sei?"
Referências
  • ARANHA, M. L. A. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. São Paulo: Moderna, 2008.

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